sexta-feira, 23 de abril de 2010

- um anjo rouco-

                             Algumas semanas depois da chegada de Samuel, outro jovem aparecera no orfanato. Não tinha um nome, tinha uma voz rouca e triste. Não ousaria descrevê-lo, pois de fato não poderia. Para qualquer um o visse ele era apenas um anjo. Não havia necessidade de dizer como era seus cabelos, a cor da sua pele ou a cor de seus olhos. Ele é simplesmente um anjo e assim deve ser imaginado de formas diferentes por cada pessoa que desejar imaginar sua face.
                               O anjo tinha um cheiro vazio. Não permitia que se pensasse perto dele. De forma que ninguém lhe perguntou nada quando chegou. Ele simplesmente estava lá. Todos olhavam para ele, mas ninguém sabia o que dizer.
                                Com grandes olhos tristes se sentou diante de Samuel, e nada disse. Tirou da mochila um caderno e começou a escrever. Ao terminar, olhou novamente aos olhos de Samuel e recitou em sua voz rouca:
_ pobre menino dos olhos verdes. Não sabe onde perdeu a coragem. Pobre menino dos olhos verdes, não sabe onde perdeu o amor. Pobre menino dos olhos verdes, quando passou a odiar a humanidade? Foi quando amou ou quando te mataram? Pobre menino dos olhos verdes, quando foi que vendeu sua carne? Não me olhe assim menino dos olhos verdes, eu sei toda verdade. Quando passava pela ponte da cidade, quando apenas a lua vigiava o céu, eu vi tua mãe ser morta, eu vi tua mãe ser estuprada. Pobre menino dos olhos verdes, não chore, não precisa chorar, não odeie mais, não precisa odiar. Pobre menino dos olhos verdes, eu matei aquele que matou sua mãe. Pobre menino dos olhos verdes, aqui esta ele_ e retirou da bolsa a cabeça de um homem. Pobre menino não precisa mais chorar...
                          E a boca do anjo estava cheia de sangue, ele deixou o papel cair e se aproximou de Samuel e beijou-lhe a boca.
                          Gregor pegou a folha e ela se desfez em fogo.
                          O anjo caiu inconsciente, ele não se lembrava mais do acorrido. O anjo não tinha memória alem do papel.
                          Samuel estava triste, perdia-se dentro de um pequeno espelho. Todos estavam à beira do lago quando Samuel saiu e foi ver o anjo. Samuel exalava seu perfume de loucura, o anjo o perfume do vazio. Eles se perdiam um dentro do outro, era um conflito de perfumes, ao mesmo tempo era excitante para os dois. Não havia palavras, não havia nada. Eles se abraçaram, Samuel em prantos e o anjo talvez vazio. Eles se amaram desde aquele momento.

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